sábado, 18 de outubro de 2008

o que quer dizer cativar...

"Foi então qe apareceu a raposa. -Bom dia, disse a raposa. -Bom dia, respondeu delicadamante o principezinho, que se voltou mas não viu ninguém. -Estou aqui,disse a voz,sob a macieira. -Quem és tu?perguntou o principezinho.És bem linda... -Sou uma raposa, disse a raposa. -Vem brincar comigo,disse o principezinho.Estou tão triste... -Não posso brincar contigo,disse a raposa.Ainda ninguém me cativou. -Ah!Desculpa,disse o principezinho. Mas depois de ter refletido,acrescentou: -O que quer dizer "cativar"? -Tu não és daqui,disse a raposa,o que é que procuras? -Procuro os homens,disse o pricipezinho.Que quer dizer "cativar"? -Os homens, disse a raposa, têm espingardas e caçam.É bem incómodo! Também criam galinhas.É a única coisa interessante que fazem.Estás á procura de galinhas? -Não, disse o pricipezinho, procuro amigos. O que quer dizer "cativar"? -É uma coisa há muito esquecida,disse a raposa.Significa "criar laços"... -Criar laços? -Isso mesmo, disse a raposa.Para mim não passas ainda de um rapazinho muito parecido com cem mil rapazinhos.E não preciso de ti.E tu também não precisas de mim.Para ti sou apenas uma raposa semelhante a cem mil raposas.Mas, se me cativares, teremos necessidade um do outro.Para mim serás único no mundo. E eu serei para ti única no mundo... - Começo a compreender, disse o principezinho.Há uma flor...creio que ela me cativou... -É possivel, disse a raposa.Vê-se de tudo sobre a Terra... -Oh! Não é na Terra, disse o principezinho. A raposa pareceu muito intrigada: -Noutro planeta? -Sim. -Há caçadores nesse planeta? -Não. -Isso é interessante! E galinhas? -Não. -Não há nada perfeito, suspirou a raposa. Mas a raposa voltou á sua ideia: -A minha vida é monótona.Caço galinhas e os homens caçam-me.Todas as galinhas são parecidas umas com as outras e os homens são parecidos uns com os outros.Por isso aborreço-me um pouco. Mas se me cativares a minha vida ficará como que iluminada pelo sol.Conhecerei um ruído de passos que será diferente de todos os outros.Os outros passos fazem-me meter debaixo da terra.Os teus, chamar-me-ão para fora da toca como uma música.E além disso, olha! Vês, além, os campos de trigo?Não me alimento de pão.O trigo para mim é inutil.Os campos de trigo não me dizem nada.E isso é triste!Mas tu tens cabelos cor de ouro.Então será maravilhoso quando me tiveres cativado!O trigo, que é dourado, far-me-á lembrar de ti. E amarei o som do vento no trigo... A raposa calou-se e olhou muito tempo para o principezinho. -Por favor...cativa-me!disse ela. -Gostava de o fazer, respondeu o principezinho, mas não tenho muito tempo.Tenho amigos para descobrir e muitas coisas para conhecer. -Só se conhecem as coisas que se cativam, disse a raposa.Os homens já não têm tempo para conhecer o que quer que seja.Compram coisas feitas nos comerciantes.Mas como não existem comerciantes de amigos, os homens já não têm amigos.Se queres ter um amigo, cativa-me! -Oque é preciso fazer?disse o principezinho. -É necessario ser paciente,respondeu a raposa.Sentas-te primeiro um pouco longe de mim, assim, na erva.Eu olhar-te-ei pelo canto do olho e tu não dirás nada.A linguagem é fonta de mal-entendidos.Mas, de dia para dia, poderás sentar-te um pouco mais perto.
No dia seguinte o principezinho voltou. -Era preferível teres voltado à mesma hora, disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro da tarde, a partir das três começarei a sentir-me feliz. Quanto mais a hora avançar, mais me sentirei feliz.Chegadas as quatro horas já estaria agitada e inquieta;descobriria o preço da felicidade! Mas se vieres a qualquer hora, ficarei sem saber a que horas hei-de vestir o meu coração... Os rituais são necessários. -O que é 1 ritual? disse o principezinho. -É também qualquer coisa de demasiado esquecido, disse a raposa. Aquilo que faz com que um dia seja diferente dos outros dias, uma hora das outras horas. Há por exemplo, um ritual que é praticado pelos meus caçadores. Dançam às quintas-feiras com as raparigas da aldeia.Por isso a quinta-feira é um dia maravilhoso! Eu vou passear até à vinha. Se os caçadores dançassem num dia qualquer, os dias seriam todos parecidos e eu não teria férias. Foi assim que o principezinho cativou a raposa. E quando chegou a hora da partida: -Ah!disse a raposa...Vou chorar. -A culpa é tua, disse o principezinho, eu não queria que te acontecesse nada de mal, mas quiseste que te cativasse... -É certo, disse a raposa. -Mas vais chorar! dise o principezinho. -Vou, disse a raposa. -Então não ganhas nada com isso! -Ganho, disse a raposa, por causa da cor do trigo. Depois acrescentou: -Vai olhar outra vez as rosas. Compreenderás que a tua é única no mundo. Voltarás para me dizer adeus e eu faço-te presente de um segredo. O pricipezinho foi outra vez ver as rosas. -Não são de modo nenhum parecidas com a minha rosa, ainda não são nada, disse-lhes ele. Ninguém vos cativou e vocês não cativaram ninguém. São como era a minha raposa. Era uma raposa parecida com cem mil outras.Mas fiz dela minha amiga e agora ela é única no mundo. As rosas ficaram muito incomodadas. -São belas, mas vazias, disse-lhes ele ainda. Não se pode morrer por vocês. É certo que um vulgar viandante pensaria que ela se parece convosco. Mas por si é mais importante que vocês todas pois foi ela que reguei. Foi ela que coloquei sob uma redoma. Foi ela que eu abriguei com o guarda-vento. Foi a ela que matei as lagartas (excepto duas ou três para poderem dar borboletas). Foi ela que eu ouvi queixar-se ou gabar-se, ou por vezes calar-se. Ela é a minha rosa. E voltou para junto da raposa: -Adeus, disse... -Adeus, disse a raposa.Eis o meu segredo.É muito simples: só se pode ver com o coração. O essencial é invisivel aos olhos. -O essencial é invisível aos olhos, repetiu o principezinho de modo a poder recordar-se. -É o tempo que perdeste com a tua rosa que torna a tua rosa tão importante. -É o tempo que perdi com a minha rosa...disse o principezinho para se recordar. Os homens esqueceram esta verdade, disse a raposa. Mas tu não deves esquecer-te. Tornas-te para sempre responsávelpor aquilo que cativaste. Tu és responsável pela tua rosa... -Sou responsável pela minha rosa...repetiu o principezinho, para se recordar."

in O Principezinho de Antoine De Saint-Exupéry

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